''Crises fazem parte do DNA
brasileiro''
Ivan Zurita: presidente da Nestlé Brasil; executivo
explica por que, mesmo com a crise, a empresa investiu R$ 430 milhões no País e
busca empresas para comprar.
Tatiana Freitas e Carla Araújo
Enquanto a receita global da Nestlé caiu 1,5% no primeiro
semestre, o faturamento da unidade no Brasil avançou 7,2% - maior crescimento
reportado no grupo. E não são apenas nos números que as operações no Brasil se
descolam do resto do mundo. Os planos da multinacional suíça para o País também
são mais agressivos, por causa, principalmente, da força do mercado interno.
"Nosso projeto de investimento é diferente da média do grupo, pelas
oportunidades que temos", diz o presidente da Nestlé Brasil, Ivan Zurita.
Em entrevista à Agência Estado, o executivo afirma que o Brasil recebe apoio
integral da matriz para continuidade do plano de investimentos, mesmo diante da
crise financeira. No intervalo de aproximadamente um mês, a companhia anunciou
a construção de uma unidade em Araraquara (SP), a ampliação da Garoto
Recentemente, na divulgação dos resultados globais da Nestlé do primeiro
semestre, o diretor financeiro disse que esse não é momento para aquisições, e
sim de cautela. Mas no Brasil, a empresa segue bastante agressiva. Podemos
dizer que o País se descola do resto do mundo?
O James Singh, diretor financeiro, deu uma mensagem global, mas que não
necessariamente serve para os mais de 100 países onde nós estamos. O continente
europeu está mais travado. Mas na Ásia, Estados Unidos, Brasil e México, nós
crescemos. O Brasil sempre foi tido como uma das prioridades do grupo e
continua sendo. No primeiro semestre, fomos os que mais crescemos e,
logicamente, nossos planos são agressivos.
A crise não abalou os planos da companhia no Brasil?
Mesmo com as turbulências financeiras, em nenhum momento
nós mudamos nossos planos. Continuamos investindo forte aqui e o resultado tem
sido favorável. Nós temos todo apoio da matriz do ponto de vista de
investimentos, nas aquisições. Já fizemos algumas este ano e, se surgirem
outras, nós vamos continuar fazendo, desde que esteja no escopo do nosso
projeto de crescimento. Crises fazem parte do DNA brasileiro. É uma crise a
mais. Para quem não viveu uma crise mais aguda, do ponto de vista econômico,
choca mais.
Sem a crise os resultados poderiam ser ainda melhores?
Sem dúvida. A gente vinha crescendo, em um mercado eufórico. No nosso caso,
estávamos superando as metas, porque estávamos aproveitando as oportunidades.
Quando você tem um mercado crescendo, está todo mundo crescendo. Quando você
tem um mercado que trava, alguns abandonam a trincheira. E a estratégia de
crescimento adotada pela companhia foi boa para o momento. O que posso dizer é
que, com crise ou sem crise, estamos superando as metas.
Quais eram as metas?
O cálculo era ao redor de 8% de crescimento orgânico para este ano. E 5,5% de
crescimento real. Nós sempre falamos de crescer o dobro do PIB. Se o PIB for
3%, vamos crescer 6%. Essa era a meta. No primeiro semestre o crescimento foi
em torno de 7%, mas o PIB não cresceu. Acho que o quarto trimestre já vai
começar a mostrar uma tendência positiva.
Quais são os fatores que fazem do Brasil um País tão estratégico para a
Nestlé?
Eu parto do princípio que a velocidade hoje é um dos fatores mais importantes e
competitivos. Se você não está preparado para crescer na velocidade que o
mercado está demandando, você vai ficar fora. É disso que nós estamos tratando
de nos proteger. Do ponto de vista econômico, o Brasil tem um mercado interno
com alto potencial de consumo. Mais de 90% da nossa operação é realizada no
mercado interno. E temos tido uma boa performance de crescimento nos últimos
anos.
Existem planos para tornar o Brasil uma plataforma de exportações?
Não, esse não é nosso objetivo. A gente exporta para alguns "países
Nestlé". É uma operação inter companhia, mas nosso objetivo é o mercado
interno. É fazer crescer nossa operação no Brasil.
Dentro da estratégia de crescimento da Nestlé no Brasil, podemos falar que o
foco são os mercados de água e leite longa vida?
Não. Nós vamos crescer
Mas eventuais aquisições estarão mais voltadas para essas áreas?
Estarão dentro de alimentos. Qualquer dica que eu der, não será produtiva nem
para nós, nem para o mercado.
Dada a importância no segmento de leite, por que a Nestlé demorou tanto para
entrar em longa vida?
Não é que demoramos, mas nós queríamos ter um leite de qualidade superior. Para
lançar um produto, testamos às cegas e ele tem que ser o preferido de 60%, sem
identificação da marca. O nosso leite foi o preferido de mais de 90%. Queríamos
um leite de categoria, que pudéssemos controlar completamente a qualidade,
desde o produtor até o consumidor. Por outro lado, você ia ao supermercado e
não sabia que leite comprar, cada dia encontrava uma marca. As companhias
estavam mudando de mão, a qualidade caindo. Estávamos acompanhando e vimos que
era o momento. Temos boas marcas e credibilidade. Temos 98% de penetração nos
domicílios. Será que não temos um espaço aí? Acho que sim, tanto é que lançamos
e foi um sucesso. Hoje nós estamos correndo atrás de produção.
Mas a Nestlé consegue boas margens nesse segmento reconhecidamente difícil
em termos de rentabilidade?
Tem de ter volume. Entramos com um produto premium e estamos cobrando o que
vale. Seria fácil diluir e fazer milhões de litros, mas não é nosso objetivo.
Nós vendemos valor. Se a gente sente que não agrega valor na alimentação, nós
estamos fora. Nosso leite é de qualidade superior, fortificado, é uma bebida
láctea realmente reforçada. Acho que ninguém vai economizar centavos para ter
um bom leite para dar aos seus filhos ou para ser consumido. O diferencial no
litro de leite são centavos, R$ 0,20 ou R$ 0,30. E não tem nenhum longa vida
que se compare ao nosso no mercado, isso eu posso dizer com tranquilidade.
Qual o volume de UHT que a empresa vai produzir?
Nós estamos em uma fase de expansão. Em Carazinho (RS) vamos produzir 10
milhões de litros, em Araraquara serão mais 10 milhões de litros. Já estamos
com 5 milhões de litros e vamos continuar expandindo na região Centro Sul. Nós
captamos mais de 2 bilhões de litros de leite por ano. Isso nos coloca no
primeiro lugar em captação e temos uma linha láctea muito diversificada. Este
ano devemos bater 2,2 bilhões de captação.
Qual a expectativa para os próximos anos?
Depende do mercado. O objetivo é crescer ao redor de 100 milhões de litros por
ano.
É verdade que a Nestlé teve interesse na compra da Sadia antes da fusão com
a Perdigão?
Não. Nós analisamos como analisamos muitas companhias. Mas nunca processamos a
matéria-prima como eles processam. É outra maneira de operar e o nosso modelo é
muito diferente do deles, embora a gente a admire como companhia. Analisamos,
mas nunca fizemos uma proposta concreta. Agora eles passaram a ser nossos
concorrentes, com a Perdigão, que já era nosso rival em lácteos.
Fonte: Agência
Estado