Lina: leite saudável com aparência de ácido

A principal tecnologia que mede a qualidade do leite atualmente, para a indústria, é o teste do álcool

 

Produto instável não-ácido é próprio para consumo, mas, por alterações em sua composição, coagula em reação ao álcool e é confundido com leite ácido no teste de qualidade industrial

A principal tecnologia que mede a qualidade do leite atualmente, para a indústria, é o teste do álcool. Quando o leite é ácido, ou seja, impróprio para o consumo, ele reage com o álcool e coagula. A indústria de laticínios só aprova os leites que não coagulam no teste. No entanto, uma nova categoria de leite, que está crescendo ultimamente, está preocupando o setor de produção leiteira e causando muitos prejuízos aos produtores. O leite instável não-ácido, também conhecido como lina, é uma nova categoria. Ele é saudável, próprio para consumo e serve para a produção de derivados. No entanto, por alterações químicas em sua característica, é instável e também coagula ao reagir com o álcool. Por isso, no teste de qualidade, o produto é classificado como ácido, apesar de não apresentar acidez.

O lina é uma nova nomenclatura que nós estamos dando para um leite que coagula quando fazemos o teste do álcool, mas não apresenta problemas de acidez. Ele pode ser utilizado na indústria e para outras funções. O que produz acidez no leite são microrganismos que produzem o ácido lático. O ácido lático produzido por estas bactérias leva a uma instabilidade porque este ácido modifica a micela de caseína do leite. No caso do lina, existe também uma modificação dessa micela de caseína, mas não pela produção de ácido ou pela multiplicação bacteriana, e sim por um desequilíbrio salino na modificação dos sais presentes na composição do leite — ensina o farmacêutico bioquímico Antônio Fernandes de Carvalho, professor na área de leite e derivados do departamento de tecnologia de alimentos da Universidade Federal de Viçosa.

Muitos produtores não estão conseguindo vender o seu leite para as fábricas, mesmo sendo próprio para consumo. O problema se agrava porque ainda não há nenhuma outra tecnologia que substitua o teste do álcool ou que consiga detectar com precisão o leite lina. O que o produtor pode fazer para diferenciar o lina do leite ácido é ferver uma amostra. Se ele for realmente ácido vai coagular quando for fervido e se for lina vai suportar o tratamento térmico, dependendo do teor de instabilidade. Mas o produtor não precisa ficar desesperado, pois pode aproveitar o lina de formas alterativas, como a produção de queijos artesanais ou leites fermentados.

A indústria de laticínios não vai receber este leite porque ele está instável e pode gerar problemas durante o processo de produção de derivados. O produtor pode usar este leite em diferentes formas, porque ele não está ácido nem tem patógeno, então há segurança alimentar. Não há problema nenhum em consumir o leite lina. O produtor pode pasteurizar o lina para fazer um queijo de forma artesanal ou fazer leites fermentados. A empresa só não aceita o lina porque ela não quer arriscar, por ter medo de, no trocador de calor, ele precipitar e atrapalhar o tratamento térmico de outros leites. No teste do álcool, quando as bactérias produzem ácido, eles neutralizam as cargas destas caseínas e elas formam um coágulo. No caso do lina, estes microrganismos se multiplicam sem produzir acidez, mas produzem algumas enzimas que também degradam a micela de caseína e quando nós colocamos o álcool estas micelas desestabilizam e coagulam, como se ele estivesse ácido — explica.

Carvalho é um dos palestrantes do III Encontro de Produtores de Leite do Norte de Minas, que acontece na cidade de Montes Claros, no dia 10 de setembro. Ele diz que o principal fator que provoca o lina é a alimentação desequilibrada, principalmente na época da seca. A principal recomendação para os produtores que estão tendo problema de produção de leite lina é procurar um especialista em nutrição animal para verificar a alimentação que está sendo oferecida ao rebanho e fazer as modificações necessárias para que os animais recebam os nutrientes necessários na medida adequada.

Um motivo para o leite ser lina está na alimentação e isso é muito claro. Se o animal não tiver uma boa alimentação balanceada, isso gera um desiquilíbrio na biossíntese do leite e ele fica instável. Se o produtor tem tido prejuízo com o leite lina, o ideal é verificar a alimentação do animal para que ele não tenha leite desequilibrado. Como os animais mudam o tipo de alimentação ao longo do ano, a época do ano influencia. O período de lactação também influencia. Se ele tiver uma lactação muito longa, ele produz o lina. O importante é o produtor saber que o leite pode estar lina, mas essa não é uma condição do animal. Se o animal produziu lina em uma época, não quer dizer que ele vai produzir sempre o lina. O produtor pode mudar a alimentação do animal e resolver este problema — alerta o pós-doutor em leite e derivados.

Carvalho diz que os prejuízos na região de Minas Gerais não são tão intensos quanto os que estão acontecendo no Sul do País, principalmente no Rio Grande do Sul. A  Embrapa Clima Temperado, no ano de 2002, testou 22 mil amostras em que 75% do leite era lina, ou seja, um leite saudável que está sendo descartado pela indústria gerando sérios danos econômicos ao produtor, que não consegue valorizar o seu leite.

 

Fonte: Portal Dia de Campo